[OPINIÃO] Bafafá na Vila Londrina agita turma de zé povinho
Agitou tanto, que fiz até esse texto
Sempre que tenho a oportunidade, assisto da janela de casa minha esposa esperando a lotação pra ir pro trampo. E eu digo assisto e não vigio, porque de perto eu não poderia fazer muita coisa, de longe menos ainda. Então, eu assisto. Se algo ruim acontece, pelo menos eu tento ver para onde o autor correu, ou grito, chamo a atenção, peço socorro. É o que penso, toda vez. Em dois anos, no entanto, nunca vi ou fiquei sabendo de ocorrências aqui pela rua. Mas essa semana a chinela cantou na Vila Londrina. A encruzilhada que liga três vias, formando a letra ípsilon, é rota de entregadores e, às vezes, acontecem pequenos acidentes e freadas bruscas ali. Outra vez bateu uma moto de frente com a outra. Foi mais engraçado do que trágico.
Enquanto eu recolhia o dicionário de espanhol que caiu no chão, perto da cadeira do computador, um som alto de batida de carro surgiu vindo da rua. Fiz cosplay de zé povinho e corri na cozinha pra sair na varanda e entender o que tinha acontecido. Saí e vi a senhora da casa da frente, que entrega tudão na arte da zé povinhagem, no meio da rua gritando, com certa rouquidão causada pela idade já avançada e talvez por algum histórico de tabagismo. “Atropelou e saiu correndo. Atropelou e fugiu. Alguém ajuda. Ajuda aqui”, dizia ela, segurando o pano de prato. Um carro, no estilo Pampa, maltratado pelo tempo de vida, virou a esquina no encalço de uma moto pilotada por um único homem. O outro, que havia caído, corria a pé pela calçada, tentando se esconder atrás dos carros estacionados no meio fio.
Era muita informação pra mim. A senhora fofoqueira gritando, o homem correndo na calçada e a moto sendo perseguida por um carro velho. Logo surgiram os funcionários da oficina de veículos que fica alguns metros abaixo, no braço esquerdo do ípsilon. Eles vinham correndo, esbaforidos, na captura da moto agora já sem o garupa, que corria a pé, se escondendo pela calçada atrás dos carros estacionados. A situação se tornou clara: eram suspeitos de assalto fugindo. Da varanda, minha visão era da moleira daquele que estava a pé. Pensei em ajudar usando as palavras e acertar o dicionário nele, mas hesitei – por ser um pouco cusão e porque acho que a dicionarada não imobilizaria ele.
O da moto caiu, mas conseguiu fugir catando cavaco enquanto corria sem olhar pra trás. O outro foi contido e levou um amasso da população; tapa, chute, croque e safanão. Depois, sentou-se sobre as mãos na calçada e assumiu o assalto. Sujos de graxa e óleo, o pessoal da oficina ficou puto nessa hora. “Vai arrumar um trampo, seu vagabundo do caraio. Em vez de ficar atrasando o lado de trabalhar em ponto de ônibus”, gritou o mais franzina deles, com o dedo na cara do acusado. Outro homem questionou, de forma retórica: “vai roubar mais aqui na quebrada, malandrão, vai?”. Liguei 190, assim como outros zé povinhos também fizeram, imagino. Expliquei sobre as duas situações: o assalto e a chance de linchamento. A polícia não demorou mais do que 15 minutos para chegar.
A vítima, um homem oriental, de cabelos lisos e longos, com aparência de 20 e poucos e estilo de geek metaleiro, acompanhava todo movimento da população para recuperar seu celular e reaver o prejuízo. Até o fim do meu plantão na Central da Zé Povinhagem na Vila Londrina, o aparelho ainda não havia sido recuperado – devia estar com o foragido, que correu caindo por cima das pernas. O suspeito capturado, magro de pele clara e cabelo curto e crespo, foi levado pela PM e agora, se a lei for aplicada, ele deve tirar uns dias fechado na cadeia. A vida é louca e ele assumiu esse risco. Cumprimentei o pessoal da oficina mecânica. Apesar do risco que correram e da recomendação feita pelas autoridades, sobre não reagir em caso de assalto, eles assumiram o risco e fortaleceram demais. Inclusive, não tentando fazer justiça com as próprias mãos – porque oportunidade realmente não faltou.
Por Arilton Batista