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[OPINIÃO] Os tristes precisam de representação, na vida e na internet

Basta desbloquear o celular e acessar o Instagram logo de manhã para ser metralhado por um punhado de publicações com gente sorrindo, dando bom dia às 6h30 direto da esteira da academia ou no espelho do elevador chegando no escritório no Centro da cidade, isso quando o post não vem carregado de otimismo, expectativas e com frases de efeito, propondo receitas que parecem simples para alcançar alguma satisfação. Essas pessoas vendem a felicidade como se estivem mesmo felizes, o tempo inteirinho, e soubessem o caminho para “chegar lá”. Nunca, jamais, compartilham situações difíceis, traumas, problemas, demissões e porres, tampouco assumem estar tristes na musculação, no bar ou no restaurante.

É legítimo optar por não contar as situações negativas que ocorrem no dia a dia, os momentos de infelicidade, de choro e de estados depressivos – pelos quais todas as pessoas são capazes de passar e sentir. Mas se faz necessário dividir o lado nebuloso da vida, e por uma razão tão legítima quanto a escolha por omiti-lo: os tristes precisam ser representados para, talvez, se tornarem menos tristes um dia. Parece contraditório, mas quando passo por alguma situação que me deixa triste, ou simplesmente acordo de bolas viradas – putinho da vida –, não me sinto motivado ao ver gente alegre fazendo exercícios, por exemplo, e me convidando para fazer também. Por uma razão: nada ali me representa; nem a alegria, nem a disposição de me exercitar naquele momento.

É preciso mostrar que, mesmo não estando feliz, sorrindo e cheio de energia, é possível fazer as coisas do dia a dia, como ir à academia, correr no parque, ir ao supermercado, subir pelo elevador de espelho do escritório e ir à praça levar o cachorro para passear. Mais do que isso, é importante que as pessoas tristes ressignifiquem suas tristezas e tirem proveito disso. Estar triste pode ser uma excelente oportunidade para correr ainda mais kms, escrever um textão bacana sobre qualquer assunto, pintar um quadro abstrato ou elaborar receitas. Dá para ser ativo, fazer coisas e até se divertir, mesmo estando triste. O mundo não deve ter espaço apenas para felizes e motivados, os tristes e cabisbaixos precisam de representação.

Imagine um alcoólatra que chega em uma reunião de AA (Alcoólicos Anônimos) e encontra só gente que nunca ficou bêbado caído na calçada; ou que nunca levou uma surra por arrumar briga na porta do boteco depois de 5 doses de conhaque; ou que nunca amanheceu cheio de vômito no colo após beber vodca e comer salsicha em conserva das oito da noite até quatro e vinte da madrugada; ou que não haja ali um membro que perdeu esposa, marido, filhos e o contato com os familiares em decorrência do vício. Ali não seria o ambiente de acolhida para um alcoólatra que quer parar de beber. No entanto, ao contrário disto, as reuniões de AA são grupos de ajuda mútua em que somente alcoólatras participam, ou seja, pessoas com um problema em comum formando uma rede de ajuda, de apoio.

Mais uma vez: as pessoas tristes precisam de representação nos espaços aparentemente ocupados apenas por pessoas felizes ou por mentirosos – aqueles que fingem alegria para parecer bem-sucedidos. O ponto é que ninguém fica mais ou menos feliz por fazer exercícios logo de manhã cedinho ou por tomar suco detox de couve com cenoura e laranja. A tristeza está aí para todo mundo. Mas alguns não têm coragem de contar, tampouco de assumir que procrastinam, que pulam o banho em dias muito frios, que acordam com raivinha sem razão, que são mimados ou que estão de saco cheio atoa. A vida dos 100% felizes parece sempre um mar de rosas, bem distante da realidade dos tristes.

Vale a pena repensar em ser um representante dos tristes e motivá-los a fazer as coisas mesmo estando tristes, porque a vida é totalmente volátil e a tristeza pode ser interessante também, afinal, ela faz parte do rolê da vida. Feio é simular felicidade, se autossabotar para parecer “bom da cuca”. Todo mundo anda meio atrapalhado das ideias, mas não é fingindo equilíbrio que vamos nos curar, muito menos atrair os tristes para o universo dos felizes.

Por Arilton Batista