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[OPINIÃO] Síndrome de Dona Florinda no balcão da padaria

No último sábado amanheci com preguiça e, em vez de comprar pão e voltar para casa pra preparar o café, resolvi comer por lá mesmo. Pão na chapa e café com leite, exatamente aquilo que comeria em casa, se não me faltasse o pão e a força de vontade. Uma padaria de bairro, com banquetas que circulam o balcão e direciona até um canto menos iluminado e um pouco mais engordurado, ao fundo próximo ao vidro que protege o cliente da chapa. Escolhi a última banqueta, discreta, aquela pra quem bebe dose às terças-feiras – o que não era o meu caso, mas poderia ser. É o cantinho pra pensar do ser humano já adulto.

Nas primeiras banquetas, ainda na entrada, duas mulheres loiras, aparentando 45 anos, conversavam. Em uma mesa separada do balcão, um grupo de bolivianos tomava cerveja e também conversava. Não sei por qual razão, mas eles bebiam Skol em lata, em vez de garrafa, o que sairia bem mais em conta. A mesa estava quase preenchida de latas vazias. Dava gosto ver a empolgação deles bebendo e jogando conversa pro ar, com a voz no volume 18 – as outras pessoas com a voz no volume 10. Era oito e meia da manhã, mas quem tem o que a ver com isso, além deles mesmos?

Enquanto outros clientes entravam e saíam da padaria, movimentando a ala onde servem os pães para os clientes, próximo à vitrine de bolos, roscas e moscas, os dois atendentes revezavam-se com as atividades. Afobados, enquanto um cuidava dos pães franceses besuntados de margarina que tostavam na chapa, o outro dava atenção para as mulheres loiras que decidiam entre suco ou vitamina de frutas – até escolherem café com leite mesmo; risole ou sanduiche de queijo – até optarem por pãozinho na chapa.

Diminuindo o tom da voz para o volume 6, as mulheres loiras passaram a conversar quase que ao pé do ouvido. Uma falava e a outra, com a cabeça próxima a da colega, direcionava os olhos para o grupo de bolivianos, indicando qual era o assunto. Ou a fofoca, no caso. Voltei minha atenção para o meu pedido, o estômago pedia logo pelo desjejum – lembro do Chaves toda vez que uso essa palavra. Chegou meu pão, que podia estar mais tostadinho, mas ok, e o café com leite morno, que podia estar quente, mas ok. Cerveja é diurética, e a todo momento alguém se descolava do grupo de bolivianos bons de copo para usar o banheiro. Usava rápido e logo voltava para a mesa.

Após a fofoca entre as mulheres loiras, que era sobre o grupo de bolivianos que bebia na manhã de sábado, uma delas comentou com um dos atendentes, como quem procura por aprovação, que, se fosse ela a dona da padaria, o pagamento teria de ser feito antecipado, para evitar certos problemas. Elas mantiveram o olhar de superioridade, enquanto tomavam seus cafés com leite em copos americanos de 200 ml, o que deve ter custado pouco mais de R$ 2, ou R$ 6, colocando na conta um pão na chapa.

Finalizei o café da manhã putaço com a falta de carisma (pra não dizer filhadaputagem) de duas mulheres com Síndrome de Dona Florinda – mora na vila, mas odeia quem mora na vila. Pensei sobre o que teria incomodado aquelas moças nos bolivianos: se a alegria, se a disposição em beber antes das 9h, se a voz no volume 18 após beberem várias Skol lata, ou o fato de serem bolivianos. Se fosse um grupo de brasileiros, de italianos ou japoneses bebendo de manhã na padaria, talvez não houvesse fofoca das clientes soberbas, não houvesse comentário indelicado nem desdém. Esse texto nem existiria.

Por Arilton Batista